palíndromo Teoria e História da Arte 2011 / no6 183 Modificações aparentes nas

palíndromo Teoria e História da Arte 2011 / no6 183 Modificações aparentes nas artes plásticas desde o ano 2000 PROFa. DRa. SYLVIE COËLLIER UNIVERSITÉ AIX-MARSEILLE I Resumo O texto interroga algumas mudanças no cenário artístico internacional da década 2000-2010. O fenômeno mais visível é o crescimento do mercado da arte em torno de 2000: a primeira parte do texto analisa o impacto das obras e seus meios de comunicação. O poder do mercado da arte está ligado ao desenvolvimento da economia, que se tornou globalizado, se alimenta de produtos que já não compreendemos a fonte. O teórico Fredric Jameson toma a este respeito o termo “reificação”, que significa que tudo se torna para nós os bens de pessoas desconectadas de quem os produziu. Todo o material em si é artificial tornando-se consumível, desta forma perdemos o contato com o nosso ambiente natural e não temos mais nenhuma compreensão do que nos rodeia. A segunda parte do texto apresenta alguns exemplos de artistas tentando resistir a esse processo de transformação mostrando através de seu trabalho como se fabricam as coisas de modo que nós entendemos de novo o mundo em que vivemos. Os exemplos são tomados de artistas do sexo feminino. O texto assinala assim uma outra mudança importante da década, a chegada, lenta mas inegável, das mulheres no cenário da arte. Palavras-chave: cenário artístico, década 2000-2010, artistas mulheres. Résume Le texte interroge quelques changements de la scène artistique mondiale de la décennie 2000- 2010. Le phénomène le plus visible est la montée en puissance du marché de l’art autour de 2000 : la première partie du texte en examine les conséquences sur les œuvres et sur leur médiatisation. La puissance du marché de l’art est liée au développement de l’économie qui, devenue mondialisée, se nourrit de produits dont nous ne saisissons plus la source. Le théoricien Fredric Jameson reprend à cet égard le terme de « réification », qui implique que tout devient à nos yeux de la marchandise désolidarisée des personnes qui les ont produites. Tout matériau lui-même est artificialisé en devenant produit consommable ; nous perdons ainsi contact avec notre environnement naturel et nous n’avons plus la compréhension de ce qui nous entoure. La deuxième partie du texte donne quelques exemples d’artistes tentant de résister à ce processus de transformation en montrant à travers leurs œuvres comment se fabriquent les choses afin que nous comprenions à nouveau le monde dans lequel nous vivons. Les exemples sont pris chez des artistes femmes. Le texte signale ainsi un autre changement important de la décennie, l’arrivée, lente, mais indéniable, des femmes sur la scène artistique. Mots-clés: scène artistique, décennie 2000-2010, artistes femmes. DOSSIÊ: I Colóquio Internacional sobre Arte Contemporânea 184 SYLVIE COËLLIER Dei esse título pouco elegante, modificações no ano 2000, porque me pare- ce formular a constatação que muitas pessoas fizeram a propósito da cena artística depois de uma década. De fato, o novo milênio não trouxe nenhum movimento artístico forte, nenhuma nova teoria que deslocaria a tendência precedente. Nenhum dos fenômenos dos quais falarei emerge durante essa década. Há somente modificações de tendências que se construíram duran- te anos anteriores. Ainda assim, algumas dessas modificações cristalizam micro mudanças que levam a situações inéditas. Vou resumi-las assim. 1) Potência sem precedente do mercado da arte 2) Globalização econômica, auxiliada pela velocidade da informação digital. (Lembrete: Google foi fundado em setembro de 1998. Ele se difunde pelo mundo durante a década de 2000). 3) Extensão da reificação1, ou seja, extensão da produção de objetos acom- panhada da mudança de nossa percepção do mundo onde tudo, até o que é vivo, pode ser tratado como um objeto de mercado. Esses três pontos são ligados. Eu os tratarei em uma primeira parte, exami- nando suas repercussões sobre as atitudes e obras de vários artistas. Outra modificação teve também uma amplitude sem precedente: 4) A presença das mulheres artistas. A participação delas nas exposições se desenvolveu muito durante os anos 90. Frequentemente, suas obras interrogavam a identidade feminina com relação ao corpo. Mais ou menos desde o ano 2000, a presença das mulheres nas exposições se reforçou 1 Este termo marxista de reificação desenvolvido por Lukács é mais especifica- mente tomado de Fredric Jameson, o qual sigo as hipóteses que dizem respeito ao desenvolvimento econômico e globalizado e as produções culturais. Em francês, Fredric Jameson, Le postmodernisme ou la logique culturelle du capitalisme tardif, traduzido do inglês americano por Florence Nevoltry, Ecole nationale supérieure des beaux-arts de Paris, 2007, em particular p. 436 seq.. palíndromo Teoria e História da Arte 2011 / no6 185 e ainda é recebida de maneira mais igualitária. De outro modo, a criação das artistas mulheres é menos relacionada com a identidade. Analisarei na última parte algumas obras de artistas mulheres que opõem uma resistência à reificação. 5) Outras modificações, menos espetaculares, se apresentam. Citarei duas que não desenvolverei. Assim, cada vez mais, artistas plásticos dos anos 2000 se servem do som. O acesso generalizado a computadores rápidos, a programas de baixo custo, facilitam as experimentações individuais, quando que, no início dos anos 90, era preciso ter conhecimentos avançados e auxílio financeiro substancial. Outro exemplo, o trabalho a dois: homem-mulher ou homem-homem se espalha (Claire Fontaine, por exemplo, ou ainda Allora e Calzadilla, e muitos jovens artistas na França). Essa modificação é talvez feita tendo como modelo os grupos de música. Eu sugiro outra causa: é preciso estar mais sólido para se impor em uma cena artística globalizada. Além do mais, o mercado da arte revelou que, até certos pontos, bons artistas são tam- bém bons negociantes. Isso aumentou a tensão dos outros que se defendem melhor a dois. Encontramos aqui, a mudança mais importante: a globalização econômica e a rapidez de propagação do digital que intensifica a pressão. Vou retomar agora os três primeiros pontos e, de início, a questão do mer- cado de arte. Dizia que o mercado chegou a um estado sem precedentes. Permitam-me um pequeno retorno. Sabemos que o mercado conheceu um aumento nos anos 80. Isso correspondia à liberalização dos mercados finan- ceiros internacionais (a era Reagan/Thatcher: as barreiras financeiras entre os países são afrouxadas). A informática de escritório e individual cresce ao mesmo tempo; os Estados Unidos dominam. Esse crescimento das finanças se acompanha de um interesse dos colecionadores pela arte contemporâ- nea, menos cara que as obras já históricas (os impressionistas, Picasso, Ma- tisse, etc.) e potencialmente passíveis de ganhos importantes. A variedade de preços abre o mercado para as classes médias. A arte é um bom valor de troca. É melhor negociável que os imóveis, se conserva mais facilmente 186 SYLVIE COËLLIER que 1000 toneladas de cana de açúcar, por exemplo2. Ela dá prestigio ao dinheiro3. Essa abertura do mercado favorece o retorno espetacular da pin- tura: o mercado prefere as obras móveis que podem ser comercializadas e armazenadas. Porém, em 1991, a primeira guerra do Golfo coloca um termo provisório às especulações. Os preços caem e provocam uma desconfiança que durou até o final dos anos 90. É a partir de então que a arte relacional se desenvolve na França4. Enfim, por volta dos anos 2000, o mercado de arte se restabelecendo, tornando-se florescente como nunca e, diminuindo com a crise de 2008. Eis aqui alguns momentos: em 2000, a célebre na Suíça Foi- re de Bâle (ArtBasel) inaugura Art Unlimited, um espaço de exposição para obras monumentais e, por isso, com preços impressionantes. Em 2002, os dirigentes da Foire de Bâle abrem ArtBasel in Miami Beach para chegar aos colecionadores dos Estados-Unidos que representavam a metade do merca- do mundial. Em 2003 abre Frieze, a feira de arte contemporânea de Londres. Em 2005 iniciou-se a primeira feira de Pequim. Em 2010, Pequim torna-se o terceiro mercado artístico do mundo, na frente da FIAC (Feira Internacional de Arte Contemporânea em Paris, e muito conhecida). É em 2005-2006 que Fernanda Feitosa lança SP-Arte, a feira de arte de São Paulo. Porém, meu objetivo não é sociológico. Essa situação tem incidências sobre as obras. Para as empresas globalizadas, a coleção de arte contemporânea é um sinal de distinção. Por exemplo, na França, dois executivos, Bernard 2 O exemplo é baseado numa discussão publicada no livro de Katy Siegel e Paul Mattick, Argent (version française), Thames and Hudson, 2004, intervention de Ri- chard Schiff, p. 182. 3 Ou distinção, segundo o termo valorizado por Pierre Bourdieu (La distinction, Paris, Editions de minuit, 1979) e especialmente utilizado por uma exposição mos- trando o questionamento do fenômeno do valor do dinheiro pela arte nos anos 80: Un art de la distinction, du 7 juillet au 14 octobre 1990, Abbaye Saint-André, Centre d’art contemporain, Meymac, France. 4 E assim que práticas que colocam em jogo as relações mais os objetos em si são teorizadas por Nicolas Bourriaud na revista Documents sur l’art (1992-2000). Seus textos foram reunidos em Nicolas Bourriaud, Esthétique relationnelle, Dijon, Les presses du réel, 1998. palíndromo Teoria e História da Arte 2011 / no6 187 Arnault5 e François Pinault6 rivalizam com suas coleções de uploads/Geographie/ arte-nos-anos-2000.pdf

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