INTERAÇÃO EM SALA DE AULA E GÊNEROS ESCOLARES DO DISCURSO: UM ENFOQUE ENUNCIATI
INTERAÇÃO EM SALA DE AULA E GÊNEROS ESCOLARES DO DISCURSO: UM ENFOQUE ENUNCIATIVO* Profª Drª Roxane Helena Rodrigues Rojo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RESUMO: A presente comunicação apresenta uma análise enunciativa baseada na Teoria dos Gêneros do Discurso (Bakhtin, 1979) de processos interativos de sala de aula, re-enfocando-os como diferentes gêneros escolares e escolarizados (regras, combinados, explicações, exposições, instruções, no primeiro grupo; e diversos gêneros secundários do discurso, transpostos para a sala de aula, no segundo grupo). ABSTRACT: This paper reports a discoursive analysis of classroom interactive processes based on the Discoursive Genres’ Theory (Bakhtin, 1979) where this processes are reviwed as different scholar or sholed genres (rules, arrangements, explanations, expositions, instructions, in the first group; and different secondary discoursive genres, transposed into classrooms, in the second). “Voilà la prémière différence qu’il faut faire: il y a des genres scolaires et des genres scolaires. Il y a des genres scolaires qui sont en fait les genres que l’école construit, à part le fait qu’ils fonctionnent au sens bakhtinien du terme, qui sont ceux qui fonctionnent dans l’école pour enseigner. C’est le genre scolaire comme outil de communication dans l’institution scolaire. Pour pouvoir fonctionner dans une institution, l’institution crée des genres. Alors, l’école elle a créé toute une série de genres, comme expliquer, argumenter, etc., qui doivent fonctionner, parce que l’institution ne fonctionne que s’il y a des genres. Alors, ça c’est “genres scolaires 1”. Puis, après, il y a “genres scolaires 2”, c’est-à-dire, des genres qui sont l’objet de l’enseignement: la narration scolaire, la description scolaire, la dissertation! La dissertation est le prototype absolu des genres scolaires. C’est un genre qui est fait pour l’écriture, pour l’enseignement de l’écriture, pour toute la scolarité et qui n’existe évidemment pas du tout hors de l’école.” [Entretien avec B. Schneuwly] O tratamento enunciativo, ou com base na teoria de gêneros do discurso (Bakhtin, 1979a; 1979b), dos dados de interação em sala de aula é, até onde saibamos, inexistente na literatura, sobretudo psicológica, sobre este tópico. E ele quase sempre tem sido discutido mais de uma perspectiva da aprendizagem que de uma perspectiva discursiva. Faremos aqui o exercício contrário. Este exercício contrário, i.e., analisar dados de interação em sala de aula a partir da circulação dos discursos em sala de aula e da presença de gêneros discursivos, talvez primários, constituindo a possibilidade de construção de discursos em gêneros secundários, partiu, inicialmente, de uma crítica às análises da interação em sala de aula que circulam mais comumente. Sustentamos (cf. Rojo, 1997) que qualquer aproximação interacionista ou empirista da interação como ação (lingüística ou paralingüística) observável (“comportamental”) e da linguagem em sala de aula como “conversação”, i. e., tendente a uma análise funcional-comunicativa (Teoria da Comunicação, Análise Conversacional; Micro-Etnografia da Fala; Sócio-Lingüística Interacional), pode obscurecer seriamente os dados em análise, no que diz respeito à construção do discurso e do conhecimento. Isto se dá muito em função de seu foco e de seu recorte do fenômeno, que são determinados por suas categorias de análise, advindas de suas teorias de referência sobre a linguagem, a interação e a aprendizagem. Neste sentido é que se fez necessário, numa análise que pretenda iluminar a construção do discurso e do conhecimento a partir das trocas lingüísticas em sala de aula, ter-se como foco o próprio fluxo de discurso na interação, o que implica adotar uma visão dialética da aprendizagem, mas também uma visão discursiva ou enunciativa da linguagem em curso na sala de aula. A base teórica adotada nesta discussão, como já foi mencionado acima, é uma teoria da aprendizagem vygotskiana (sócio-histórica) que toma a teoria da enunciação de vezo bakhtiniano como uma boa elaboração para as questões da linguagem e do discurso, crucialmente envolvidas na aprendizagem, e que as relê, com finalidades didáticas, tal como o faz parte da equipe de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (especialmente, Schneuwly & Dolz), do ponto de vista de suas aplicações educacionais e transposições didáticas na escola regular e no ensino fundamental. Como vygotskianos, cremos que o “propriamente humano” é tecido a partir da inserção social da criança em instituições (família, escola, etc.), que se materializa em interações sociais interpessoais, e que é próprio do humano apropriá-las “como seu” (internalizá-las) por meio dos discursos alheios internalizados e tornados próprios. Esta seria, na perspectiva sócio-histórica, a dinâmica da aprendizagem e, por decorrência, do desenvolvimento humano. Dessa perspectiva, os discursos em circulação e apropriados pelo indivíduo humano são eminentemente dialógicos e polifônicos: estão em permanente diálogo com outros discursos e vozes presentes, passados e futuros. Desta maneira, cada enunciado toma de outros enunciados suas formas e significações e dirige-se a outros (possíveis) enunciados, dentro de situações sociais de enunciação. Neste sentido, dada a diversidade das situações de enunciação (materiais e sociais) - diversidade de tempo e lugar da enunciação; diversidade dos enunciadores participantes na interação e de suas imagens recíprocas; diversidade de finalidades enunciativas -, o enunciado é uma realidade concreta do discurso irrepetível. No entanto, a dinâmica dialética e histórica das próprias situações de enunciação, travada na permanência e na mudança, torna possíveis certas formas composicionais estabilizadas e historicamente cristalizadas de enunciados: os gêneros do discurso. Embora os próprios gêneros do discurso sejam eles também flexíveis e estejam em permanente mudança no espaço histórico-social, sua realidade material permanece, se presentes as condições sociais de produção de discurso que a engendraram. Assim, na Teoria dos Gêneros do Discurso elaborada pelo círculo de Bakhtin (Volochínov, 1929; Bakhtin, 1979a; 1979b), são mencionados uma infinidade de gêneros, alguns mais ligados às esferas sociais cotidianas de relação humana, às formas do diálogo e às situações de interação face à face (gêneros primários); outros cuja circunstância de aparecimento está ligada a outras esferas, públicas e mais complexas, de interação social, muitas vezes mediadas pela escrita e apresentando uma forma composicional monologizada (gêneros secundários). Segundo Bakhtin (1979a), em sua gênese, os gêneros secundários muitas vezes absorvem e transmutam os gêneros primários, devido a situações mais complexas de enunciação. Bernard Schneuwly (1994) sugere que, do ponto de vista da construção dos discursos e da linguagem pela criança, possamos tomar os gêneros do discurso como “mega- instrumentos”, i.e., instrumentos de mediação semiótica complexos que implicariam, por si próprios, a construção de instrumentos menos complexos nele envolvidos, a nível da linguagem e do pensamento. É justamente neste sentido que os gêneros do discurso, em si mesmos, implicando aspectos temáticos, composicionais, enunciativos e lingüísticos, são uma poderosa ferramenta de ensino-aprendizagem de línguas e podem ser indicados ou sugeridos, como fazem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), como uma unidade organizadora de currículos e de progressões no ensino fundamental. Essas breves reflexões colocam as seguintes questões particulares para a análise das interações em sala de aula, que serão, em parte, abordadas a seguir, num fragmento de análise de dados1: • enquanto gêneros do discurso, talvez primários, como pode ser descrito o que hoje se denomina, univocamente, na Teoria, como “interação em sala de aula”? Quais gêneros estão aí envolvidos e qual sua descrição? • supondo uma certa leitura da hipótese schneuwliniana do gênero como mega-instrumento, podemos supor que estas “interações em sala de aula” viabilizam a construção de vários outros gêneros secundários, exigidos pela situação de enunciação escolar. Quais são eles? O que é posto em circulação e aprendizagem nestas interações? Há diferenças entre as séries da Educação Infantil e as dos Ciclos iniciais e finais do Ensino Fundamental? Quais são elas e como explaná-las? 1. A interação em sala de aula na perspectiva enunciativa da Teoria dos Gêneros Pela definição bakhtiniana de gêneros primários e secundários, a interação em sala de aula constitui um espaço discursivo difícil de situar. Se ela, por um lado, se dá à maneira do diálogo e mais ligada às situações de interação face à face - características, segundo Bakhtin (1979a), dos gêneros primários -; por outro lado, ela já se desenrola em esferas públicas (ou relativamente públicas) de interação social, muitas vezes é mediada por ou media a escrita e apresenta largos entrechos cuja forma composicional já é monologizada - características atribuídas por Bakhtin aos gêneros secundários. Numa aproximação intuitiva inicial, poderíamos dizer que o espaço escolar da sala de aula é a primeira aproximação da criança das esferas públicas de interação social. Embora espaço social mais público do que privado (se o comparamos à instituição familiar), trata-se, ainda, de um “público” restrito, em geral ao grupo classe, incluído(a) aí o(a) professor(a) que, em raras situações pedagógicas, confronta-se com outras audiências menos conhecidas (como outros grupos classe, o diretor, os grêmios, as situações mais coletivas da instituição). Talvez justamente este aspecto “intermediário” da situação de produção escolar de discursos - entre o público e o privado - seja responsável pelos aspectos composicionais “intermediários” de suas formas de gênero - entre o primário e o secundário. 1 O conjunto da pesquisa abrange dados colhidos (em video e posteriormente transcritos) durante aulas de diversas disciplinas (especialmente, Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais e Ciências), em salas de aula de Pré-Escola (Jardim I, II e Pré) e de 1ª e uploads/Litterature/ rojo-rhr-interacao-em-sala-de-aula-e-generos-escolares.pdf
Documents similaires
-
22
-
0
-
0
Licence et utilisation
Gratuit pour un usage personnel Attribution requise- Détails
- Publié le Jui 29, 2021
- Catégorie Literature / Litté...
- Langue French
- Taille du fichier 0.0587MB