Guilherme de Almeida VERA CRUZ A cruz navegadora, que era vermelha, tingiu-se d

Guilherme de Almeida VERA CRUZ A cruz navegadora, que era vermelha, tingiu-se de verde na luz que vinha do fundo dos rios, molengos, vadios, onde os troncos bravios matavam a sede; que caía das folhas; que subia das bolhas do palácio líquido de mãe-d'água verde; que emplumava as aves, que se balançava nas cadências suaves das palmas dolentes; que envernizava o dorso das cobras e o torso de cobre das gentes gentias, tatuadas, coroadas de penas, curvadas como arcos com gestos espertos de frecha. A cruz navegante desceu dos seus barcos, arrastou-se arranhando na areia das praias o poema cristão; e, abrindo bem largos, bem largos os braços, plantou-se na terra, deitou- lhe raízes, deu folhas e flores e frutas e sombras propícias para os encontros dos guerreiros brancos e das virgens ocultas; foi a árvore nova da ciência do bem e do mal no Éden doirado – Eldorado verde de tantas Evas e tantos Adãos como Abéis e Cains; protegeu-lhes a rede; a rede fecunda do amor onde eles dormiram colados um sono povoado de coisas; cocares de penas, colares de dentes, feitiços de pau, de terra cozida, urnas, loisas com desenhos geométricos – quadrados, losangos, rodelas, estrelas,triângulos –, lendas cheias de luas, de medos, de danças guerreiras em torno de fogos sonâmbulos; de mitos, de bichos, de eclipses, de sonhos profetas, de orgias monstruosas, de enterros noturnos ao canto analfabeto dos jacarés nas águas supersticiosas... MORMAÇO Calor. E as ventarolas das palmeiras e os leques das bananeiras abanam devagar inutilmente na luz perpendicular. Todas as coisas são mais reais, são mais [humanas : não há borboletas azuis nem rolas líricas. Apenas as taturanas escorrem quase líquidas na relva que estala como um esmalte. E longe uma última romântica – uma araponga metálica – bate VERA CRUZ La croix navigatrice, qui était rouge, s'est teintée de vert à la lumière qui affleurait du fond des fleuves indolents, errants, où les troncs sylvestres étanchaient leur soif; qui tombait des feuilles; qui montait des bulles du palais liquide de la sirène verte; qui couvrait de plumes les oiseaux; qui se balançait au gré des douces cadences des palmes paresseuses; qui vernissait le dos des serpents et le torse cuivré de ces gens, de ces gentils, tatoués, coiffés de plumes, courbés comme des arcs et prompts comme des flèches. La croix navigatrice débarqua de ses navires, griffa en se trainant sur le sable des plages le poème chrétien; puis, écartant, écartant largement ses bras, plantée en terre, étendit ses racines, donnant des feuilles des fleurs des fruits et des ombres propices aux rencontres des guerriers blancs et des vierges occultes ; elle fut l’arbre nouveau de la science du bien et du mal dans l'Éden doré – l’Eldorado vert – d'autant d'Éves et d'Adams qu’il y eut d'Abels et de Caïns; protégeant leur hamac; le hamac fécond de l'amour où enlacés ils dormirent d'un sommeil peuplé d'un tas de choses; coiffes de plumes, colliers de dents, fétiches en bois, en terre cuite, urnes, dalles aux motifs géométriques – carrés, losanges, courbes, étoiles, triangles –, légendes pleines de lunes, de peurs, de danses guerrières dans le cercle somnambule des feux; de mythes, de bêtes, d'éclipses, de rêves prophétiques, d'orgies monstrueuses, d'enterrements nocturnes au chant analphabète des caïmans dans les eaux superstitieuses... TOUFFEUR Touffeur. Et les éventails des palmiers et les pankas des bananiers lentement éventent, en vain, sous la lumière à plomb. Tout semble plus vrai, plus humam : sans papillons bleus ni colombes lyriques. Seules les chenilles brûlantes glissent liquides presque sur l'herbe qui crépite comme un émail. Tandis qu'au loin un dernier romantique [attardé – le métallique araponga – frappe de o bico de bronze na atmosfera timpânica. RAÇA Nós. Branco – verde – preto: simplicidades – indolências – superstições. O quarto de hóspede e a poisada a rede e o cigarro de palha o São Benedito e as assombrações. Nós. O clã fazendeiro. Sombra forte de mangueiras pelo chão; recorte nítido de bananeiras pelo ar; redes bambas penduradas nas varandas das fazendas, com sanfonas contando lendas ao luar; donas de casa prestimosas fazendo a merenda – quindins, bons-bocados –; altos mastros de São João; e a vaca Estrela, o cão Joli, a égua Sultana; e o baio, o alazão, o pampa, o tordilho – passarinheiros; e, na luz limpa das manhãs sadias, demandistas picando fumo e discutindo, rédea em punho, servidões e divisões de sesmarias; safras pendentes, cavalhadas, geadas, estradas estragadas, invernadas; e os carros de boi gemendo, e os monjolos tossindo, e as enxadas tropeçando nas roças capinadas; e a terra torrada, a terra torresmo, a terra estorricada no forno crepuscular das queimadas para o renascimento simétrico e verde dos cafezais em alexandrinos alinhados nas cabeças parnasianas das colinas penteadas com pentes finos... Fazendas de todos os santos; ladainhas agrícolas cantadas pelas rodas dos trolleys. com guarda-pós ao vento, estalos de relho, tostões aos moleques, ranger sonolento de porteiras moles; e disparadas pelas picadas nos catingueiros e pelas capoeiras até o espigão... E, das ruínas da velha tapera de taipa e sapé, a cidade que surge branca de cal como assombração. E aí, nas tardes pintadas de cor de baú – azul- celeste, rosa e verde-mar –, a procissão. A procissão! Raça processional. São Bom Jesus de Pirapora! Nossa Senhora Aparecida! Quitandeiras com tabuleiros, virgens, anjos, irmãos, romeiros, promessas, milagres, subida e descida por calvários de terra vermelha onde a igreja acachapada se ajoelha crucificada entre dois lampiões; ladrões de beijos nas esquinas das morenas de jambo entre rótulas sob os beirais dos casarões de azulejos e bolas de louça, com sempre-vivas nos jardins,jasmins nos caramanchões, caramujos e conchas nas cascatas tristes que cantam modinhas nos serões brasileiros... Chácaras de arrabalde – solares de terra socada agachados na sombra gostosa dos grandes son bec de bronze le tambour de l'air. RACE Nous. Blanc – vert – noir : candeurs – indolentes - superstitions. La chambre d'hôtes et l’auberge – le hamac et la cigarette de maïs – le saint Benoît et les fantômes. Nous. Le clan terrien. L’ombre épaisse des manguiers projetée sur le sol; les bananiers qui se découpent nettement dans l'air; hamacs flasques accrochés aux varangues des fazendas, et l’accordéon qui raconte des légendes au clair de lune; de diligentes maîtresses de maison préparent le goúter – flan et cake de coco –; mâts que l'on hisse à la Saint-Jean; la vache Stella, le chien Joli, la mule Sultane; et le bai, l'alezan, le pampa, le gris pommelé – ombrageux; et puis, dans la lumière limpide des matins salubres, émiettant du tabac, des chicaneurs qui s'entretiennent, bride au poing, d'attributions de parcelles et de servitudes; moissons à venir, joutes équestres, gelées, routes défoncées, rigueurs de l'hiver; et les chars à boeufs qui gémissent, et les moulins à eau qui toussent, et les bêches trébuchant sur les terrains défrichés; et la terre torride, la terre torréfiée, la terre grillée dans la fournaise crépusculaire des brûlis en vue d'une renaissance symétrique et verte des caféières en alexandrins alignés sur les têtes parnassiennes des collines peignées au peigne fin... Fazendas de tous les saints; litanies agricoles chantées par les roues des trolleys. Avec des surtouts au vent, des claquements de fouet, la pièce jetée aux gamins, et le grincement somnolent de mollassonnes barrières; troupeaux en débandade par les sentiers frayés dans les broussailles et les essarts jusqu'à un mont pelé... Alors, des ruines de torchis et de chaume, la ville d'une blancheur de chaux surgit telle un fantôme. Et là, dans les soirs couleur de crabe – bleu céleste, rose et vert marin – la procession. La procession! Race processionelle. Saint Bon Jésus de Pirapora! Notre-Dame d'Aparecida ! Des vendeuses ambulantes avec leurs plateaux, des vierges, des anges, des frères, des pèlerins, des promesses, des miracles, on monte et on descend les tertres de terre rouge des chemins de croix où une église à croupetons s'agenouille crucifiée entre deux réverbères; voleurs de baisers de brunes au teint cuivré au pomares em flor e abrindo ao mormaço, atrás dos portões de ferro com galgos e leões de cimento, claraboias de vidro de cor... Violões nos morros mulatos – maxixes políticos, tosses, pitos e pinga na luz dos candeeiros; foguetes, cervejas eleitorais – o protesto indolente – e o sonho com palpites nas noites inquietas... CANTIGA DE NINAR Dorme. Minha filha verde, minha criança, minha [terra. Este vento é um braço que balança teu [berço. Dorme. A noite fecha o cortinado de neblinas brancas. O bruaá apagado das rãs verdes do charco é o teu berço que range. Dorme. Ouve as línguas de prata do rio que plangem que plangem cantando... Dorme. ... uma história de fada. Dorme. Este luar é a asa do teu anjo-da-guarda : um grande anjo lírico que tem uma cruz de cinco estrelas sobre os cabelos azuis. Minha criança sentimental, amanhã... Dorme. ... eu te beijarei com o sol Dorme. Nanan... coin des rues, au travers des jalousies, sous les marquises des villas ornées d'azulejos et de uploads/Geographie/ poemas-modernistas-brasileiros-traduzidos-pro-frances-carvalho-2012.pdf

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