Ética burocrática, mercado e ideologia administrativa: contradições da resposta
Ética burocrática, mercado e ideologia administrativa: contradições da resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado Bureaucratic ethics, the market, and administrative ideology: contradictions in the conservative response to the State’s "crisis of character" Éthique bureaucratique, marché et idéologie administrative: contradictions de la réponse conservatrice à la "crise morale" de l’État André Borges Resumos In the 1980s, a conservative movement for public sector reforms attempted to adjust civil servants’ (alleged) egotistical, amoral behavior to the efficient achievement of collective goals, in accordance with the principles of Adam Smith’s invisible hand. Based on Karl Polanyi’s and Max Weber’s classic works on the establishment of the market and of modern bureaucracy, respectively, the article endeavors to show how the conservative approach errs by ignoring the specificities of bureaucratic organization as well as the socially constructed character of the market mentality. The conclusion is that public sector reforms based on the assumption of self-interest end up breeding suspicion and fostering precisely the corrupt behavior that they are meant to forestall, thereby reinforcing the State’s incapacity to properly manage its actions in the social sphere. public sector reform; ethics; neoliberalism Dans cet article on examine la vague de réformes conservatrices du secteur public dans les années 80 comme une tentative d’ajuster le comportement des fonctionnaires (censé être) égoïste et amoral à la réussite d’objectifs collectifs, selon le principe de la "main invisible" d’Adam Smith. À partir des travaux classiques de Karl Polanyi et de Max Weber sur la mise en place du marché et de la bureaucratie moderne, respectivement, on cherche à montrer comment la solution conservatrice se trompe en ignorant les particularités de l’organisation bureaucratique ainsi que le caractère socialement construit de la mentalité de marché. On conclut que les réformes dans le secteur public basées sur la prémisse de l’intérêt personnel doivent favoriser la méfiance et faciliter un comportement corrompu qu’elles souhaitent éviter, tout en approfondissant par ailleurs l’incapacité de l’État à gérer correctement son intervention dans le domaine social. réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme public sector reform; ethics; neoliberalism réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme Ética Burocrática, Mercado e Ideologia Administrativa: Contradições da Resposta Conservadora à "Crise de Caráter" do Estado* André Borges Na década de 70, o fim do longo ciclo de crescimento econômico inaugurado no pós-guerra trouxe ao debate político o questionamento das formas de intervenção e organização do Estado associadas ao welfare state. Comumente, as dificuldades vividas pelos Estados capitalistas desde então têm sido estudadas sob o ângulo específico das finanças públicas. Tanto teóricos marxistas quanto liberais, como observa Rosanvallon (1997), partem do princípio da existência de um limite determinado à expansão dos gastos públicos (ou do processo de "socialização") dentro da economia capitalista, buscando nos fatores propriamente econômicos as causas da derrocada do welfarism. Para além desse foco de análise, no entanto, é possível entender a crise do Estado de Bem-Estar não apenas do ponto de vista do peso excessivo das despesas sociais ou da dificuldade de regulação dos conflitos econômicos, mas também como um abalo nas relações entre o Estado e a sociedade. De acordo com esta perspectiva, a crise é analisada em termos dos seus fundamentos culturais. Enquanto pólo de integração social capaz de se contrapor aos efeitos socialmente desagregadores do mercado, o Estado moderno pode ser conceituado como um sistema cultural envolvido no estabelecimento de uma visão de mundo e de um ethos ou estilo de vida particular dos cidadãos. A crise instaura-se porque, enquanto sistema sociocultural envolvido na provisão de ordem e significado para a vida humana, o welfare state é incapaz de responder às suas próprias contradições e legitimar sua intervenção. O resultado é uma crise de legitimação e de caráter (McClintock e Stanfield, 1991). A crise de legitimação resulta da dicotomia entre a concentração de poder promovida pelo welfare state ("corporatização" da democracia, burocratização) e as instituições democráticas. O resultado é a alienação política e o descontentamento popular com o programa do Estado social (idem; Habermas, 1987). A "crise de caráter" é conseqüência da contradição entre a mentalidade de mercado predominante, com sua ênfase no individualismo e no motivo do ganho próprio, e as aspirações progressistas do Estado de Bem-Estar em torno de um ideal de solidariedade e igualdade. A predominância da mentalidade de mercado significa que uma ênfase menor é colocada naqueles que deveriam ser os maiores objetivos do Estado de Bem-Estar: reduzir a desigualdade social e criar maior segurança econômica. Essa contradição se revela de forma mais acentuada na captura das políticas públicas por grupos de interesse privados (McClintock e Stanfield, 1991). A nova economia política1 também vai apontar a contradição entre a mentalidade de mercado predominante e os imperativos de solidariedade de uma sociedade de welfare, assumindo que os homens públicos se comportam da mesma forma que os agentes no mercado, isto é, maximizando suas respectivas curvas de utilidade. O comportamento auto-interessado de políticos, burocratas e suas clientelas tem como conseqüências a captura das políticas públicas por grupos de interesse privados, a provisão de serviços públicos em níveis socialmente ineficientes e a manipulação da política macroeconômica por políticos populistas (Buchanan, 1975). Porém, em vez de se deter sobre a questão da ética do serviço público, a abordagem da escolha pública assume a inevitabilidade do comportamento auto-interessado para propor, dentro da lógica smithiana da "mão invisível", a construção de um sistema de incentivos e punições que vincule a busca do interesse individual ao máximo benefício coletivo. De acordo com essa perspectiva, o movimento de reestruturação dos governos na década de 80 na direção de padrões operativos mais flexíveis e orientados para o mercado foi a resposta dada por coalizões políticas conservadoras nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico ¾ OCDE aos problemas herdados de décadas de welfarism. A resposta à "crise de caráter" do Estado implícita nessas reformas envolvia dois princípios básicos. De um lado, procurava-se adequar o comportamento maximizador à consecução eficiente de objetivos coletivos por meio de controles de mercado; de outro, através da redução do tamanho e das funções do Estado, buscava-se reduzir as oportunidades para a corrupção (Mascarenhas, 1993; Peters, 1992; Pollit, 1994; Schwartz, 1994). Contrariamente à visão conservadora, que assume o postulado da naturalidade do comportamento maximizador e auto-interessado do homo economicus, resgata-se, neste trabalho, a crítica antropológica de Karl Polanyi à ciência econômica convencional. Para Polanyi, a mentalidade de mercado é fenômeno relativamente recente, fruto das mudanças sociais e culturais que acompanham o surgimento do capitalismo. Portanto, longe de ser natural e inerente ao ser humano, como sustenta a abordagem da escolha pública, o comportamento maximizador egoísta depende de longa construção sociocultural. Por outro lado, a partir de Weber (1997a), argumenta-se que é precisamente o fato de a burocracia pública obedecer a uma lógica completamente diversa da lógica utilitarista o que a torna útil para o setor privado. Mais ainda, dado seu insulamento em relação à sociedade, os burocratas têm a possibilidade de desenvolver preferências diversas dos agentes presentes no mercado ou mesmo de outras elites políticas (Evans e Rueschmeyer, 1985; Schneider, 1995). A construção de um ethos de serviço público baseado na confiança e no comprometimento é pressuposto da coerência corporativa e da eficiência da burocracia. A partir dessa discussão, este artigo objetiva demonstrar as contradições da resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado. Argumenta-se que reformas do setor público baseadas na premissa do auto-interesse devem promover a desconfiança e subverter a idéia de um ethos de honestidade no serviço público, incentivando precisamente o comportamento corrupto que deveriam evitar. Além disso, os processos de flexibilização das normas de contratação e controle, terceirização e privatização promovidos por essas reformas criam novas oportunidades de corrupção. Por outro lado, a submissão da burocracia à racionalidade econômica neoclássica e sua ideologia dos livres- mercados, idéia-chave dessas reformas, intensifica a incapacidade do Estado de gerir a intervenção no social de forma adequada. Ao mesmo tempo que o sistema econômico cresce em complexidade e os efeitos socialmente desagregadores do "capitalismo flexível" de hoje ameaçam tornar-se insuportáveis, exigindo uma ação corretiva, as políticas públicas sociais são cada vez mais ineficazes ou paliativas, seja pelo reforço a uma forma de pensamento instrumental e socialmente reificante dos gestores públicos, seja pelos limites cada vez mais estreitos impostos pela hegemonia liberal à intervenção reparadora. Acentua-se dessa forma a dicotomia entre ideologia dos "mercados livres" e necessidade de uma ação corretiva capaz de afirmar a solidariedade sobre o poder do dinheiro e dos métodos administrativos (cf. Habermas, 1987). BUROCRACIA, MERCADO E WELFARE STATE Em sua crítica antropológica à ciência econômica convencional, Karl Polanyi defende a tese de que anteriormente à nossa época não existiu nenhuma economia que fosse controlada por mercados. O que se observa em formações sociais pré-capitalistas é a ausência da motivação do lucro e, principalmente, a ausência de qualquer instituição baseada em motivações econômicas (Polanyi, 1980:61). É somente nas sociedades capitalistas modernas que se pode observar o tipo de comportamento maximizador e auto-interessado previsto pelos liberais do século XIX, o que levou Polanyi a afirmar, quanto à obra de Adam Smith, que "nenhuma leitura uploads/Geographie/etica-burocratica-mercado-e-ideologia-administrativa-contradicoes-da-resposta-conservadora-a-quot-crise-de-carater-quot-do-estado.pdf
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- Publié le Sep 29, 2022
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