165 InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 7, n. esp., p. 165-182, ago.

165 InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 7, n. esp., p. 165-182, ago. 2016. DOI: 10.11606/issn.2178-2075.v7iespp165-182 A Bibliografia Nacional Brasileira: histórico, reflexões e inflexões The Brazil’s National Bibliography: history, reflections and inflections Carlos Henrique Juvêncio Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília – UnB. E-mail: carloshjuvsilva@yahoo.com.br Georgete Medleg Rodrigues Doutora em História pela Université de Paris. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília – UnB. E-mail: georgete@unb.br Resumo A Bibliografia Nacional tem papel de destaque como instrumento de pesquisa e memória da produção intelectual da sociedade. No âmbito de sua construção, este trabalho busca refazer a trajetória histórica de tal instrumento de controle bibliográfico no Brasil a partir do século XIX até os dias atuais tomando como norte a sua importância enquanto inventário da memória intelectual nacional. Utiliza como fonte de pesquisa documentos e publicações sobre o tema de diferentes épocas e em diferentes contextos, sobretudo, publicações destacadas por Edson Nery da Fonseca em suas mais diversas pesquisa sobre o tema. Problematiza a institucionalização da Bibliografia, enquanto disciplina, no país e sua contribuição para a construção da(s) bibliografia(s) nacional(is). Também visa elucidar os papéis exercidos por diferentes instituições ao longo da história como responsáveis pela construção de tal instrumento. Conclui que a Bibliografia Brasileira jamais foi construída plenamente e sempre foi perene frente à necessidade de constante atualização, além de não se tratar de uma política sólida de construção da memória nacional. Palavras-chave: Bibliografia Nacional. Biblioteca Nacional. Controle Bibliográfico. História. Memória. Abstract The National Bibliography has an important role as a research tool and memory of the intellectual production of society. This work seeks to retrace the historical trajectory of such bibliographic control instrument in Brazil from the nineteenth century to the present day taking as north to its importance as a national inventory of intellectual memory. Uses as a source of research papers and publications on the subject of different times and in different contexts, especially publications highlighted by Edson Nery da Fonseca in its various research on the subject. Discusses the institutionalization of Bibliography as a discipline in the country and their contribution to the construction of the national bibliography. It also aims to elucidate the roles played by different institutions throughout history as responsible for the construction of the instrument. It concludes that the Brazilian Bibliography was never fully built and has always been perennial front of the need for constant updating, and not it is a sound policy of construction of national memory. Keywords: Bibliographic Control. History. Memory. National Bibliography. National Library. 166 A Bibliografia Nacional Brasileira: histórico, reflexões e inflexões InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 7, n. esp., p. 165-182, ago. 2016. Considerações Iniciais De tradição milenar, as bibliografias são uma importante fonte de informação quanto à produção intelectual de determinada área do conhecimento, país, região ou autor. Sua origem remonta, segundo Reyes Gómez (2010), à Calímaco, bibliotecário de Alexandria, que ao criar as “Pinakes”, ou a lista de obras que a instituição continha, dá início à tradição bibliográfica. Seus tipos são variados, podendo ser sinaléticas – quando é realizada somente a descrição da obra –, ou analíticas – quando a obra é analisada sob múltiplos aspectos, incluindo os bibliológicos, mais voltados à materialidade do livro. Uma bibliografia pode ser, ainda, geral ou especializada em alguma área do conhecimento; ou de cunho nacional/regional (BALSAMO, [200-]; REYES GÓMEZ, 2010). Araújo (2015, p. 119) menciona que: A Bibliografia é uma disciplina constituída por interfaces teóricas e práticas que, desde sua origem, tem fundamentado o tratamento documental, seja do ponto de vista de sua descrição, classificação, circulação e mediação. Paralelamente, a Bibliografia se ocupa do mapeamento e da representação dos saberes e do conhecimento. Complementarmente, o autor ainda nos elucida que “A palavra bibliografia indica a disciplina (Bibliografia), seu objeto de estudo (ligado às teorias e aos métodos de produção de repertórios, aspectos da fisicalidade dos documentos, etc.) e o resultado dos processos documentários (as listas)” (ARAÚJO, 2015, p. 121). Ou seja, Bibliografia denota uma área do conhecimento/saber interessada nos métodos e técnicas de descrição de documentos visando a construção de fontes de informação que, dependendo de seu caráter e objetivo, serão generalistas e/ou especializadas. Com efeito, se hoje o papel reservado à Bibliografia é secundário e até mesmo ignorado, deve-se à essa disciplina os processos e técnicas de descrição documental utilizados cotidianamente. Derivadas da evolução e aperfeiçoamento no decorrer dos séculos, as técnicas bibliográficas nos ajudaram, e ajudam, na organização do conhecimento produzido pela humanidade, seja pela padronização de descrições, utilização de classificações, pela elaboração de simples listas até a análise minuciosa obra à obra, de fato, corroboramos com Araújo (2015, p. 124), que: [...] é inegável, do ponto de vista da história das disciplinas que lidam com a informação e com o documento, que a Bibliografia fundamentou as práticas e técnicas desenvolvidas posteriormente pela Documentação, Biblioteconomia e CI [Ciência da Informação], sobretudo na sua dimensão documental para concepção e desenvolvimento de listas e repertórios bibliográficos. 167 Carlos Henrique Juvêncio e Georgete Medleg Rodrigues InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 7, n. esp., p. 165-182, ago. 2016. No bojo do avanço de tal área no decorrer dos séculos, outro pioneiro na criação de bibliografias foi o médico grego Galeno, que no século II a.C. cria uma lista das obras da qual era autor visando eliminar dúvidas sobre a autenticidade de alguns de seus escritos, bem como negar a autoria de tantos outros. Já o pai das biobibliografias1 é São Jerônimo, que no século V arrola em sua obra De viris illustribus a biografia de vários autores eclesiásticos, bem como as obras por eles escritas (REYES GOMÉZ, 2010). De fato, é durante o Medievo que as bibliografias se desenvolvem de forma acentuada, onde passam a “[...] contar com um princípio diretor constante em suas descrições: nome do autor, dignidade eclesiástica e lugar onde exerce, suas obras, valorização do conteúdo, atendendo à sua qualidade intelectual, e dados cronológicos2” (REYES GÓMEZ, 2010, p. 101). Outro fato destacado por Reyes Gómez (2010, p. 102) é de que: Se até o século XII a cultura ocidental se conservava, fundamentalmente, nos monastérios, a partir do início do século XIII, com o nascimento das universidades, o acesso à leitura alcançou uma parte mais ampla da sociedade e a produção de livros aumentou de tal forma que gerou a necessidade de outro sistema mais rápido de organização3. Logo, é à reboque do desenvolvimento científico e tecnológico experimentado a partir do século XIII que as bibliografias se desenvolvem; se dantes eram listas de obras de algumas personalidades e, sobretudo, de livros eclesiásticos, a partir de então as obras passam a ser de referência para as áreas de conhecimento em voga, servindo de referência para se saber o que se construía em termos científicos, bem como verificar o estado d’arte das ciências (BALSAMO, [200-]; REYES GÓMEZ, 2010). Assim, se a abertura das universidades ajuda na difusão das bibliografias, é com o advento da imprensa, no século XV, que elas se difundem ainda mais na Europa e de forma muito mais rápida, visando ser um verdadeiro extrato dos documentos produzidos sobre os mais variados temas e assuntos, experimentando as facilidades que a prensa de tipos móveis oferece. É nesse período, por exemplo, que as bibliografias comerciais começam a ser lançadas; o objetivo, segundo os editores, era difundir os livros por eles impressos e facilitar as vendas, 1 Modalidade de bibliografia onde, além de relacionar as obras escritas pelos personagens, traz sua biografia. Segundo Cunha e Cavalcanti (2008, p. 56) é o “estudo da vida e das obras de um autor [...]; em geral, inclui a referência a textos críticos sobre o autor e suas obras”. 2 [...] cuenta com um principio diretor constante em sus descripciones: nombre del autor, dignidade eclesiástica y lugar donde ejerce, sus obras, valoración del contenido, atendiendo a su calidad intelectual, y datos cronológicos. 3 Si hasta el siglo XII la cultura occidental se conservaba, fundamentalmente, em los monastérios, a partir dos comienzos del XIII, com el nacimiento de las universidades el acceso a la lectura se abrió a uma parte más amplia de la sociedade y la producción de libros aumento hasta llevar a la necesidad de outro sistema más rápido de elaboración. 168 A Bibliografia Nacional Brasileira: histórico, reflexões e inflexões InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 7, n. esp., p. 165-182, ago. 2016. servindo como meio de propaganda e, ao mesmo tempo, de controle do que era produzido (BALSAMO, [200-]). Nesse bojo: A primeira bibliografia sistemática publicada, Liber de scriptoribus ecclesiasticis (1494), é de autoria de Johannes Trithemius4 (1462-1516). Foi o primeiro repertório biobibliográfico da Idade Moderna que, embora tenha esse título, não se limita às obras de escritores eclesiásticos no sentido estrito mas, no âmbito da civilização cristã, incorpora escritos filosóficos, científicos e literários (ARAÚJO, 2015, p. 127). Sendo assim, Trithemius é considerado o pai da bibliografia moderna que, para além de uma lista de uploads/Litterature/ 118769-texto-do-artigo-219641-3-10-20160810.pdf

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