A “LÓGICA OU FILOSOFIA ESPECULATIVA” DE HEGEL: Introdução [1] e Prefácio [2] da

A “LÓGICA OU FILOSOFIA ESPECULATIVA” DE HEGEL: Introdução [1] e Prefácio [2] da Fenomenologia do Espírito de Hegel Welington Silva Rodrigues-UFPel/CAVG Doutor em Filosofia pela UFRGS wsrcg@yahoo.com RESUMO O presente texto tem por objetivo reunir elementos que possibilitem a reconstituição do sentido da expressão “Lógica ou Filosofia Especulativa” contida, segundo a tradução mais usada no Brasil, no parágrafo 37 da Fenomenologia do Espírito, de Hegel. Para tanto, o estudo se divide em duas partes: [1] levantamento dos dados contidos na Introdução à obra e [2] reunião de alguns elementos do Prefácio até o parágrafo 56. Palavras-chave: 1) Lógica; 2) Filosofia Especulativa; 3) Fenomenologia do Espírito. ABSTRACT The present text has as main objective to reunite elements that enable the reconstitution of the sense of the expression “Logic or Speculative Philosophy”, contained, as the most used translation in Brazil, at the paragraph 37 of Phenomenology of Spirit, by Hegel. Therefore, the study is divided in two parts: [1] Survey of the information contained at the work’s introduction and [2] reunion of some elements from the Preface to the paragraph 56. Keywords:1) Logic; 2) Speculative Philosophy; 3) Phenomenology of Spirit. 1 INTRODUÇÃO DA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO “A lógica é a arte de bem conduzir sua razão no conhecimento das coisas, tanto para se instruir a si mesmo, quanto para instruir os outros. Esta arte consiste nas reflexões que os homens têm feito sobre as quatro principais operações de seu espírito, conceber, julgar, raciocinar & ordenar1 “Conseqüentemente nós distinguimos a ciência das regras da sensibilidade em geral, i.e., a Estética, da ciência das regras do entendimento em geral, i.e., a Lógica.”2 As epígrafes que iniciam este texto refletem em geral o espírito desta disciplina denominada há tempo organon ou instrumento da ciência.3 Tenha ela sido chamada um instrumento, uma arte ou a ciência das regras do entendimento em geral, jamais deixou de ser algo no qual o homem deveria se 1ARNAULD, A.; NICOLE, P. La Logique ou l´Art de Penser. Paris: Flammarion, 1970. p. 59. (tradução livre). 2 KANT, I. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. B76. 3 KNEALE, W; KNEALE, M. O Desenvolvimento da Lógica. 3. ed. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. p. 25. 2 exercitar, desde que desejasse meios para filosofar corretamente. A partir das epígrafes fica também claro que, não importando o que se entenda por lógica, ela é algo com limites sempre muito claros. Segundo Hegel, essa concepção dos saberes isolados e desconexos é uma representação natural (§734) presente, como tal, no senso comum de seus contemporâneos como algo óbvio. É igualmente óbvio que Hegel não concorda com esta concepção, haja vista o primeiro parágrafo da Introdução da FE5, onde se dedica a revolucionar a filosofia naquilo que ela tem então de mais natural e comumente aceito, a saber, que há um tal instrumento ou meio para o conhecimento da verdade, do absoluto, para o conhecimento das coisas tais quais são em si mesmas. Hegel não é, neste caso, nada enigmático: “(...) o contra-senso está antes em recorrermos em geral a um meio” (§53). Não se trata de procurar evitar lançar mão de um meio específico, como se Hegel dispusesse de um meio alternativo para solucionar os problemas oriundos da utilização de um determinado meio inadequado, mas o absurdo está na utilização de qualquer meio enquanto tal. Não podemos deixar de concluir que a lógica, tal como apresentada nas epígrafes supracitadas, é um contrassenso para Hegel. Nas epígrafes, a lógica aparece como algo separado de todo resto. Ora é uma arte somente das principais operações do espírito, ora a ciência das regras do entendimento (que não se confunde com a Estética. Assim, e isso é somente uma antecipação, a lógica não seria o real propriamente dito no seu movimento categorial próprio, como propõe Hegel, mas um departamento especializado que não perpassa e nem é toda a esfera do ser. Algumas questões surgem daí, mas a primeira delas é: o que há de absurdo em recorrer a um meio para o conhecimento da verdade ou para um conhecimento verdadeiro? Qual a razão para esta crítica? O motivo da crítica é bem simples e Hegel vai insistir bastante nele, qual seja, a pressuposição de algo como verdadeiro sem tê-lo examinado, i.e., sem tê-lo submetido à crítica. Qualquer pressuposto deve ser evitado, principalmente o de que o ato de conhecer é um instrumento e um meio (Cf. §54) entre nós e o resto. Nem “palavras que pressupõem uma significação” (§75) devem ter lugar; e Hegel complementa: “há que esforçar-se 4 Todas as referências a parágrafos são feitas tendo em vista a edição brasileira em um volume da Fenomenologia do Espírito. Quando julgamos que a tradução das passagens citadas se afastou demais do texto original, reproduzimos a passagem em nota de pé de página para que o cotejo seja feito. 5 Doravante usaremos ‘FE’ para ‘Fenomenologia do Espírito’. 3 por adquiri-la primeiro” (§75). Também há no modelo criticado por Hegel a pretensão de atingir um conhecimento absoluto, ainda que mascarado de finito, partindo de (e apelando a) um meio limitado. Essa passagem é intransponível a partir dos seus próprios princípios – que, aliás, ela mesma tenta subverter ao tentar transpô-lo. A única coisa não pressuposta é, para Hegel, o fato de somente o absoluto ser verdadeiro, ou somente o verdadeiro ser absoluto (Cf. §75). A reversibilidade dos termos indica nisso uma identidade entre o verdadeiro e o absoluto. Ora, o ser absoluto, ou simplesmente ‘o absoluto’, ou ainda simplesmente ‘o ser’, é único se tomado absolutamente; então só ele é, e é verdadeiro de maneira absoluta. Portanto, qualquer relativização introduz uma contradição com a própria noção de absoluto no próprio absoluto. Por isso dizemos que o ser, tomado absolutamente (ou ‘o absoluto’), coincide com o nada tomado absolutamente, i.e., o que é absoluto ‘é’ – entenda-se: é verdadeiro. Não há algo que ‘é’ e ‘é falso’. ‘Falso’ não tem aqui o sentido de inadequado, mas de não ser – donde a noção de verdade ser associada à noção de ser. Se a questão da verdade está ligada à do ser, então temos o prognóstico de um deslocamento da lógica em direção à ontologia. É a característica da lógica de Hegel ser lógica como ontologia – mas deixemos isto como uma anotação para outro texto. Não obstante, toda a história da filosofia até Hegel, talvez com alguma rara exceção, zelou muito por sua busca incansável da verdade concebida como algo que só pode ser alcançado através de um instrumento e que, portanto, difere tanto do instrumento quanto do que está em busca da verdade. O que tem feito da questão da verdade uma questão de adequação, como bem salienta Heidegger6. Vemos, em geral, que a verdade está sendo utilizada no sentido de algo relativo: é relativa ao instrumento, ao que está em sua procura, a algo que é falso, é dependente da adequação, etc. Ora, se não é absoluto, então não é verdadeiro – dado que só o absoluto é verdadeiro ou só o verdadeiro é absoluto. Não se pode, contudo, pôr fora toda a história da filosofia, ou pelo menos boa parte dela. Não se pode negar seu ser. A filosofia ou ciência, ainda que lidando de modo um tanto equivocado com seu objeto, tem um aspecto inegável: ela é, ou pelo menos tem sido até Hegel, e segundo ele mesmo, um saber que lida apenas com a aparência, aparecimento ou, como preferem ainda alguns, fenômeno – variações para 6 HEIDEGGER, M. Sobre a Essência da Verdade. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 155-156. Coleção os Pensadores. 4 Erscheinung. Trata-se de um saber relativo (por oposição ao absoluto) e, portanto, não verdadeiro – dado que só o absoluto é verdadeiro ou só. A estratégia de Hegel para elevar-se de um saber relativo, não verdadeiro, até o saber absoluto, verdadeiro, é fazê-lo voltar-se contra o saber relativo e aparente (Cf. §76). É o motor da dialética hegeliana dando mostras de sua importância; trata-se da negação determinada operando a negação do não verdadeiro. Ou no dizer de Hegel, relacionado à tarefa da FE, trata-se de apresentar a não verdade do não verdadeiro. A compreensão de que não deve haver pressupostos de qualquer natureza faz com que Hegel não tenha outra alternativa senão partir do que é aparente, enfim, daquilo que, de uma maneira ou de outra, é. E Hegel é bem claro no seu propósito: “Já que esta exposição tem por objeto exclusivamente o saber fenomenal, não se mostra ainda como ciência livre, movendo-se em sua forma peculiar”7 (§77). Trata-se, nos termos de Hegel, de percorrer um caminho de purificação encetado e conduzido exclusivamente através da experiência completa do voltar-se contra si do saber não verdadeiro, aparente, etc. Adentrar a própria natureza imperfeita para que se possa chegar ao saber verdadeiro ou “(...) a penetração consciente (die bewußte Einsicht) na inverdade do saber fenomenal” (§78), eis o programa que deve ser levado a cabo. De acordo com este programa, o saber fenomenal deve ser levado até as últimas consequências para uploads/Philosophie/ a-quot-logica-ou-filosofia-especulativa-quot-de-hegel.pdf

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