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http://raforum.info/article.php3?id_article=3079 RAGO, Elisabeth. "Amor, sexo e anarquia" [Espanha, 1936] Letralivre, n° 33, ano 06 - 2002. "Es que no es digna la satisfacción de los instintos sexuales ?" : Em janeiro de 1936, a revista anarquista Estudios, publicada mensalmente em Valência, na Espanha, inclui entre os inúmeros artigos que discutem questões de saúde e da moral, uma seção denominada "Consultório Psicossexual", aberta aos leitores. Através de cartas dirigidas ao Dr. Felix Martí Ibáñez, especialista em Sexologia, são apresentadas problemas sexuais, sentimentais e afetivo de várias ordens, aos quais o médico procura responder, tentando identificá-los a partir de sua especialidade. O diálogo aberto entre o médico libertário e os seus leitores na revista é das muitas frentes em que ele se engaja, ao pôr em prática aquilo que considera sua tarefa principal : a reforma eugênica sexual, na Espanha revolucionária. Segundo ele e seus companheiros libertários, muitos dos quais também médicos, tratava-se de tirar do país o atraso secular em que se encontrava, criando as condições para a transformação dos hábitos da população, para a formação de uma juventude aberta para a vida, livre dos preconceitos e das repressões impostas pelo conservadorismo burguês e pelo obscurantismo religioso. Focalizo os principais temas que emergem nas trocas e diálogos ocorridos neste espaço da revista, assim como no conjunto dos artigos aí publicados, entendendo que, ao abordar questões referentes à sexualidade, ao corpo e à moralidade, eles revelam a preocupação dos anarquistas em construir uma nova moral sexual e em transformar as relações de gênero no sentido da emancipação sexual tanto da mulher, quanto do homem. Para além de suas interpretações acerca dos problemas sexuais e amorosos, os libertários expõem suas práticas e experiências nessa área, constituídas num período, bastante denso de nossa história, isto é, durante o período da Revolução Espanhola. Temos tido vários registros dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais do período, já que se trata de um dos momentos mais interessantes do século 20, em se considerando as criações revolucionárias em múltiplos campos da vida humana, como as coletivizações das fábricas e dos campos e as inovações libertárias na educação e na área da saúde, em várias regiões da Espanha, entre 1936-1939. Mais recentemente, alguns trabalhos ligados à área de estudos feministas, focalizam a experiência das mulheres revolucionárias, sua participação na esfera pública e as questões da moralidade para os anarquistas, durante o processo revolucionário. Martha Ackeslberg - Free Womem of Spain de 1991 (Indiana University Press) e Mary Nash Defying Male Civilization : Womem in the Spanish Civil War, publicado em 1995 (Ardem Press) analisam a atuação das mulheres libertárias durante a Guerra Civil Espanhola, procurando perceber em que medida sua presença na esfera pública alterou de fato a dominação masculina, ou abalou os conceitos e valores tradicionais a respeito da divisão sexual dos papéis na sociedade. Mesmo que concluam pelo fracasso das propostas libertárias, esses livros mostram a grande desestabilização causada pela atuação dos anarquistas naquele período de profunda esperança, em que se anunciava a possibilidade de reorganização da sociedade em bases mais solidárias e criativas. O objetivo maior deste trabalho é destacar o projeto libertário de construção de uma nova moral sexual, as formas de problematização dos temas apresentados e as respostas sugeridas, resgatando um debate histórico e experiências inovadoras que, como é de se supor, encontraram profundas dificuldades para serem implementadas, numa Espanha profundamente conservadora e religiosa. Ao mesmo tempo, os problemas levantados mostram a permanência não apenas das imagens e metáforas a partir das quais se constrói a experiência sexual, mas ainda a reincidência das dificuldades nesta área, encobertas por um profundo silêncio que apenas começa a ser quebrado em nosso tempo. A reforma moral dos libertários A Revolução Espanhola (1936-39) foi o momento privilegiado para que os anarquistas pusessem em prática várias de suas concepções a respeito da construção de novas formas de vida social. Certamente, desde sempre, eles procuraram implementar suas propostas de organização social, questionando o poder em todas as dimensões da vida em sociedade, defendendo a autogestão nas fábricas e no campo, construindo as "escolas modernas", praticando o amor livre, recusando o casamento civil e religioso, recusando a representação política, em nome da autonomia pessoal. As discussões em torno do amor e da sexualidade ganharam um maior espaço entre suas preocupações, já que seriam fundamentais para a construção de uma nova moral e de um novo homem, livre de preconceitos, dos tabus, das crenças obsoletas e das repressões sexuais. Vários temas compõem o repertório das discussões que a revista apresenta mensalmente, entre 1934-36. "Nova Moral Sexual", "A Educação Sexual. A Puberdade", "O Instinto Sexual", "A Mulher e a Nova Moral", "O Pudor na Bíblia", "Prostitutas !", "Juventude e Liberdade", "O Culto Fálico na Roma Antiga", "Em torno ao problema eugênico no Aborto", "Uma Utopia Sexual" são alguns dos sugestivos títulos dos artigos publicados, na grande maioria assinados por homens e por médicos. Uma das poucas escritoras da revista, aliás, é a libertária brasileira Maria Lacerda de Moura, já bastante conhecida em nossos meios. Esses textos apontam para a construção da sociedade libertária, onde novas formas de amar, de viver a sexualidade, de se relacionar com o corpo, de conhecer o mundo e respeitar o próximo seriam possíveis. Para tanto seria necessário criar condições de esclarecimento sexual da população, através de cursos e programas de educação sexual, assim como da implantação de postos, estabelecimentos e outras instituições de atendimento prático. Amor livre e plural, divórcio, maternidade consciente, aborto, fim da prostituição e criação de estabelecimentos de higiene para fins sexuais são algumas das propostas apresentadas pelos anarquistas, nessa direção. Sugiro acompanhar por um momento alguns dos temas que emergem nas trocas de correspondência entre o Dr. Ibáñez e seus leitores, em geral, homens e mulheres de várias idades pertencentes ao mundo do trabalho e identificados ao anarquismo. A seção é aberta às cartas dos leitores em janeiro de 1936, afirmando-se como um espaço para consulta de problemas íntimos psicossexuais com o Dr. Ibáñez. A leitura das cartas enviadas ao longo do ano revela uma forte preocupação com o comportamento sexual das mulheres, seja na perspectiva dos companheiros e esposos que as escrevem, seja na das próprias mulheres. Contudo, isso não significa que os únicos temas abordados refiram-se à mulher, numa atividade explícita de indicar aos homens o caminho para introduzi-la à vida sexual, ou em outras palavras, para ensiná-la a ajustar-se às necessidades masculinas, como vemos nos manuais de "higiene do amor", publicados em vários países, no período. Trata-se de uma tentativa de promover a interação entre os casais, ou então, de ajudar o indivíduo a encontrar- se e resolver suas dificuldades a partir de conhecimentos bastante especializados na área da psicanálise e da sexologia, de Freud e de Havellock Ellis. Como afirma o Dr. Ibáñez, o consultório é uma espécie de santuário que visa trazer alívio não mais às "dores espirituais", mas às "dores sexuais". Um dos temas mais freqüentes trazidos nas cartas refere-se à questão da incapacidade de amar das mulheres, ou da frigidez feminina. Assim, a primeira carta apresentada é escrita por um homem de 42 anos, casado há oito com uma mulher cinco anos mais jovem, lamentando seu fracasso em faze-lo conseguir "o êxtase amoroso no ato sexual", dificuldade que se acentua após o nascimento do segundo filho. As respostas do médico mostram as concepções médicas sobre o corpo e as sexualidade da mulher, no período. Destinam-se a trabalhadores(as) identificados com o anarquismo, o que se deduz pela maneira de apresentação dos leitores como "companheiros" ; aliás, o próprio médico se coloca como um anarquista revolucionário comprometido com a Revolução em curso. Discutindo o problema da frigidez feminina, o Dr. Ibáñez entende que há as causas endógenas e as exógenas. Estas remetem às dificuldades masculinas, como ejaculação precoce, ou impotência sexual relativa, ou ainda o uso de uma técnica sexual inadequada, que levaria à insatisfação sexual da mulher. Aconselha o doutor : "Examine objetivamente sua própria sexualidade, não apenas em sua constituição, mas em sua técnica", já que, "uma preparação amatória curta da mulher origina nela uma sobrecarga em sua sensibilidade", que não sendo satisfatória resulta numa grande frustração. Entre as causas endógenas da frigidez feminina, destaca as alterações endócrinas e sugere a consulta a um especialista. Aí afirma que esta frigidez depois do segundo filho é muito comum nas mulheres e tenta explicar : "a influência anestésica sobre a erótica feminina do nascimento do filho" pelo traumatismo do parto ; enquanto defesa psíquica pelo medo da gravidez ; pelo deslocamento do potencial efetivo da mãe para o filho. Em outra carta revelando a mesma dificuldade em relação ao orgasmo feminino, o médico sugere que o homem considere o psiquismo feminino. As fantasias criadas desde a adolescência em relação ao ato sexual e ao parceiro provocam um choque no embate com a realidade ; portanto , propõe a reversão do quadro apresentado com a ajuda de um psicólogo para que a mulher reverta "as imagens eróticas indesejáveis e as substitua pelas normais, na construção de uma sensibilidade amorosa normal". uploads/Litterature/ amor-sexo-e-anarquia.pdf

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