58 SOBRE O AUTORRETRATO: SENTIDOS EM JOGO NO ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO Eurídice FIG

58 SOBRE O AUTORRETRATO: SENTIDOS EM JOGO NO ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO Eurídice FIGUEIREDO1 Luciano Passos MORAES2 RESUMO A noção de autorretrato, originária do universo das artes visuais, ainda é um gênero pouco explorado criticamente nas escritas de si. A multiplicidade de sentidos evocada pelo termo revela a tensão entre autobiografia e ficção, sublinhando sua importância nos estudos acerca da autofabulação. A partir da leitura de L’amour du lointain, de Sergio Kokis, serão abordadas algumas questões-chave a respeito do conceito de autorretrato literário, com o objetivo de analisar mais de perto os mecanismos postos em jogo na construção do espaço autobiográfico de que faz parte o escritor migrante em questão. PALAVRAS-CHAVE Escritas de si; Espaço autobiográfico; Autorretrato; Escrita migrante. Dentre as diferentes expressões empregadas para designar possíveis contornos do espaço autobiográfico, será explorada no presente texto a multiplicidade de sentidos associados ao tema do autorretrato, termo que aproxima o universo da escrita autobiográfica ao da pintura. As questões postas em jogo na escrita de um retrato podem ser vistas como clara estratégia de recusa, por parte do 1 Fez o curso de Graduação em Letras Neolatinas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (1968), Mestrado (1979) e Doutorado na UFRJ (1988). Atualmente é professora aposentada atuando no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura na Universidade Federal Fluminense (UFF). 2 Doutorando em Estudos de Literatura – Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Letras – História da Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professor do Colégio Pedro II. AUTOUR DE L’AUTOPORTRAIT: DES SENS EN JEU DANS L’ESPACE AUTOBIOGRAPHIQUE Eurídice FIGUEIREDO1 Luciano Passos MORAES2 RÉSUMÉ La notion d’autoportrait, originaire de l’univers des arts visuels, est encore un genre peu abordé par la critique des écritures du soi. La pluralité de sens que dégage ce terme est révélatrice de la tension établie entre autobiographie et fiction, ce qui met en relief son importance pour les études autour de l’autofabulation. À partir de la lecture de L’amour du lointain, de Sergio Kokis, on relève dans cet article certaines questions cruciales autour du concept d’autoportrait en littérature, dans le but d’examiner de plus près les mécanismes mis en jeu dans la construction de l’espace autobiographique qu’habite cet écrivain migrant. MOTS CLÉS Écritures du soi, Espace autobiographique, Autoportrait; Écriture migrante. Parmi les différentes expressions utilisées pour désigner de possibles contours de l’espace autobiographique, ce texte propose une analyse de la multiplicité de sens associés au thème de l’autoportrait, terme qui met l’univers de l’écriture autobiographique en contact avec celui de la peinture. Les enjeux 1 A fait des études de premier cycle en Lettres (Langues et Littératures néo-latines) à la Faculté de Philosophie, Sciences et Lettres de Assis (1968), Master (1979) et Doctorat à l’UFRJ (1988). Est présentement professeure à la retraite travaillant au Programme d’Études Supérieures en Études Littéraires à l’Universidade Federal Fluminense (UFF). 2 Doctorant en Études Littéraires – Littérature Comparée à l’Université Fédérale Fluminense (UFF). Master en Lettres – Histoire de la Littérature à l’Université Fédérale de Rio Grande (FURG). Professeur au Colégio Pedro II. recepção: 02/09/2015 aprovação: 05/11/2015 recepção: 02/09/2015 aprovação: 05/11/2015 59 autorretratado, ao encarceramento teórico que a crítica literária acaba muitas vezes por empreender na tentativa de definir com clareza as balizas da escrita autobiográfica. O termo autorretrato, tomado emprestado às artes visuais, ressurge nos estudos das escritas de si como um conceito amplo e relativizável, sujeito a diversas nuances que o tornam tão escorregadio quanto instigante. Ao final dos anos 1970, quando se viu uma ascensão dos estudos acerca das escritas de si, cujo marco foi sem dúvida a publicação do Pacto autobiográfico de Philippe Lejeune (a primeira e controversa edição foi publicada em 1975 e retomada e reformulada anos mais tarde), a questão do autorretrato ainda era pouco explorada criticamente. Michel Beaujour foi um dos primeiros a trazer tal noção à ordem do dia, sob a luz dos estudos da recepção, entre outros. No capítulo de abertura de Miroirs d’encre, ele afirma o seguinte: Se há muito tempo se discute o que é a autobiografia, como o prova a abundância de trabalhos teóricos e críticos que tratam desse gênero, o autorretrato não foi objeto de nenhuma reflexão teórica […]. Os autorretratistas praticam o autorretrato sem o saber. Esse “gênero” não oferece nenhum “horizonte de expectativa”. Cada autorretrato é escrito como se fosse único em seu gênero (BEAUJOUR: 1980, p. 8). Evidentemente, passados mais de trinta anos desde a publicação do texto de Beaujour, os estudos acerca do tema avançaram enormemente, o que não significa que tenhamos chegado a um consenso quanto ao que o autorretrato representa na atualidade. Permanece a ideia de que cada autorretrato é único em seu gênero – prova disso é a forma como escritores e editores empregam o termo, para além de classificações genéricas, situando o autorretrato em um espaço intermediário entre relato autobiográfico e ficcional. A falta de “horizonte de expectativa” a que se refere Beaujour parece ser, ainda hoje, uma lacuna conveniente para que se considere o autorretrato literário um gênero híbrido, plural e rico em sentidos. Para ele, o autorretrato corresponde a “um de l’écriture d’un portrait peuvent être vus comme nette stratégie de refus, de la part de l’autoportraité, de l’incarcération théorique entreprise des fois par la critique littéraire, dans le but de définir clairement les balises de l’écriture autobiographique. Le terme autoportrait, emprunté aux arts visuels, ressurgit dans les études de l’écriture du soi comme un concept ample et relativisant, dont les diverses nuances le rendent difficile à apprivoiser mais sans pour autant réduire sont intérêt. À la fin des années 1970, avec l’ascension des études de l’écriture du soi, dont le jalon a été sans doute Le Pacte Autobiographique de Philippe Lejeune (la première édition date de 1975, ayant été reformulée des années plus tard), la question de l’autoportrait était encore peu étudiée par la critique. Michel Beaujour a été l’un de premiers à traiter la question avec un regard neuf, sous la lumière des études de la réception, entre autres. Dans le chapitre d’ouverture de Miroirs d’encre, il affirme le suivant: Si l’on débat depuis longtemps de ce qu’est l’autobiographie, comme en témoigne l’abondance de travaux théoriques et critiques portant sur ce genre, l’autoportrait n’a été l’objet d’aucune réflexion théorique […]. Les autoportraitistes pratiquent l’autoportrait sans le savoir. Ce «genre» n’offre aucun «horizon d’attente». Chaque autoportrait s’écrit comme s’il était unique en son genre (BEAUJOUR: 1980, p. 8). Évidemment, plus de trente ans après la parution du texte de Beaujour, les études sur le thème ont énormément avancé, ce qui ne veut pas forcément dire que l’ont soit arrivé à un consensus quant à ce que signifie l’autoportrait actuellement. Il reste encore l’idée que chaque autoportrait est unique dans son genre – la preuve étant la façon dont plusieurs écrivains emploient le terme avec le but de situer l’autoportrait dans une zone intermédiaire entre récit autobiographique et fictionnel. Le manque d’«horizon d’attente» dont parle Beaujour semble être encore une lacune assez convenable pour que l’on considère 60 discurso fora, que os historiadores e os teóricos tendem ainda a designar de modo restritivo ou negativo: o que não é de fato uma autobiografia” (BEAUJOUR: 1980, p. 8, grifo meu). Assim, ele apresenta pistas do que o diferencia de outros gêneros: O autorretrato se distingue da autobiografia pela ausência de uma narrativa a seguir. E pela subordinação na narração a um desdobramento lógico, montagem ou bricolagem de elementos sob categorias que chamaremos provisoriamente de “temáticas” (BEAUJOUR: 1980, p. 8). Para ele, um dos traços distintivos entre autorretrato e autobiografia seria o emprego de diferentes estratégias de narração: o autorretrato é um gênero cuja narratividade passa pelo uso metafórico e poético da linguagem. A coerência se constrói através de um sistema de acesso a instantes de memória, retomadas e superposições não lineares, conferindo-lhe uma aparência de descontinuidade (BEAUJOUR: 1980, p. 9). Quando comecei a analisar os mecanismos postos em jogo nas escritas migrantes e autobiográficas de Sergio Kokis, um dos autores que compõem o corpus de minha tese, o tema do autorretrato me pareceu solicitar especial atenção, sobretudo quando entrei em contato com alguns de seus textos considerados não ficcionais (tanto pelo autor quando por seus editores). Não há consenso quanto ao emprego do termo, assim como não são claros os limites que determinam se cada um desses textos pertence mais ao campo autobiográfico ou ao ficcional. Essa falta de clareza é reveladora de pelo menos dois aspectos: por um lado, pode ser entendida como evidência do quão problemático é ainda, nos dias de hoje, circunscrever e delimitar os gêneros ligados às escritas de si – observação um tanto quanto óbvia na contemporaneidade. Por outro lado, ao embaralhar as instâncias propostas pela crítica, Kokis desafia os limites genéricos impostos pelas teorias, jogando deliberadamente com dados biográficos e ficcionais, utilizando outros meios que não o texto literário (entrevistas a jornais e revistas, l’autoportrait littéraire comme un genre hybride, pluriel et riche de sens. Selon lui, l’autoportrait «reste donc un discours en dehors, que les historiens et uploads/Litterature/ sobre-o-autorretrato-sentidos-em-jogo-no-espaco-autobiografico.pdf

  • 32
  • 0
  • 0
Afficher les détails des licences
Licence et utilisation
Gratuit pour un usage personnel Attribution requise
Partager